Joaquim Maria Machado de Assis
Nascimento
21 de junho de 1839Rio de Janeiro, Brasil
Falecimento
29 de Setembro de 1908 (69 anos)Rio de Janeiro
Nacionalidade
Brasileiro
Ocupação
Romancista, contista, poeta, dramaturgo, cronista, crítico literário
Magnum opus
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, Quincas Borba, O alienista (conto)
Influências
William Shakespeare, Voltaire, Luciano de Samósata, Laurence Sterne, Manoel Antonio de Almeida,Arthur Schopenhauer, José de Alencar, Jonathan Swift, La Rochefoucauld, Edgar Allan Poe
Influenciados
Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Cyro dos Anjos, Murilo Rubião
Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 21 de junho de 1839 — Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1908) foi um romancista, contista, poeta e teatrólogo brasileiro, considerado um dos mais importantes nomes da literatura desse país e identificado, pelo crítico Harold Bloom, como o maior escritor afro-descendente de todos os tempos.
Sua vasta obra inclui também crítica literária. É considerado um dos criadores da crônica no país, além de ser importante tradutor, vertendo para o português obras como Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo e o poema O Corvo, de Edgar Allan Poe. Foi também um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e seu primeiro presidente, também chamada de Casa de Machado de Assis.
Índice[esconder]
1 Biografia
2 Estilo literário
3 Machado de Assis e o xadrez
4 Representações na cultura
5 Obra
5.1 Romance
5.2 Poesia
5.3 Livros de contos
5.3.1 Alguns contos
5.4 Teatro
6 Academia Brasileira de Letras
7 Referências
8 Ligações externas
//
[editar] Biografia
Era filho do mulato Francisco José de Assis, pintor de paredes e descendente de escravos alforriados, e de Maria Leopoldina Machado, uma lavadeira portuguesa da Ilha de São Miguel. Machado de Assis, que era canhoto [1], passou a infância na chácara de D. Maria José Barroso Pereira, viúva do senador Bento Barroso Pereira, na Ladeira Nova do Livramento, (como identificou Michel Massa), onde sua família morava como agregada, no Rio de Janeiro. De saúde frágil, epilético, gago, sabe-se pouco de sua infância e início da juventude. Ficou órfão de mãe muito cedo e também perdeu a irmã mais nova. Não freqüentou escola regular, mas, em 1851, com a morte do pai, sua madrasta Maria Inês, à época morando no bairro em São Cristóvão, emprega-se como doceira num colégio do bairro, e Machadinho, como era chamado, torna-se vendedor de doces. No colégio tem contato com professores e alunos e é provável que tenha assistido às aulas quando não estava trabalhando.
Mesmo sem ter acesso a cursos regulares, empenhou-se em aprender e se tornou um dos maiores intelectuais do país, ainda muito jovem. Em São Cristóvão, conheceu a senhora francesa Madamme Gallot, proprietária de uma padaria, cujo forneiro lhe deu as primeiras lições de francês, que Machado acabou por falar fluentemente, tendo traduzido o romance Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo, na juventude.
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Também aprendeu inglês, chegando a traduzir poemas deste idioma, como O Corvo, de Edgar Allan Poe. Posteriormente, estudou alemão, sempre como autodidata.
Machado de Assis
De origem humilde, Machado de Assis iniciou sua carreira trabalhando como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Oficial, cujo diretor era o romancista Manuel Antônio de Almeida. Em 1855, aos quinze anos, estreou na literatura, com a publicação do poema "Ela" na revista Marmota Fluminense. Continuou colaborando intensamente nos jornais, como cronista, contista, poeta e crítico literário, tornando-se respeitado como intelectual antes mesmo de se firmar como grande romancista. Machado conquistou a admiração e a amizade do romancista José de Alencar, principal escritor da época.
Em 1864 estréia em livro, com Crisálidas (poemas). Em 1869, casa-se com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, irmã do poeta Faustino Xavier de Novais e quatro anos mais velha do que ele. Em 1873, ingressa no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, como primeiro-oficial. Posteriormente, ascenderia na carreira de servidor público, aposentando-se no cargo de diretor do Ministério da Viação e Obras Públicas.
Podendo dedicar-se com mais comodidade à carreira literária, escreveu uma série de livros de caráter romântico. É a chamada primeira fase de sua carreira, marcada pelas obras: Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876), e Iaiá Garcia (1878), além das coletâneas de contos Contos Fluminenses (1870), , Histórias da Meia Noite (1873), das coletâneas de poesias Crisálidas (1864), Falenas (1870), Americanas (1875), e das peças Os Deuses de Casaca (1866), O Protocolo (1863), Queda que as Mulheres têm para os Tolos (1864) e Quase Ministro (1864).
Em 1881, abandona, definitivamente, o romantismo da primeira fase de sua obra e publica Memórias Póstumas de Brás Cubas, que marca o início do realismo no Brasil. O livro, extremamente ousado, é escrito por um defunto e começa com uma dedicatória inusitada: "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas". Tanto Memórias Póstumas de Brás Cubas como as demais obras de sua segunda fase vão muito além dos limites do realismo, apesar de serem normalmente classificados nessa escola. Machado, como todos os autores do gênero, escapa aos limites de todas as escolas, criando uma obra única.
Na segunda fase suas obras tinham caráter realista, tendo como características: a introspecção, o humor e o pessimismo com relação à essência do homem e seu relacionamento com o mundo. Da segunda fase, são obras principais: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1892), Dom Casmurro (1900), Esaú e Jacó (1904), Memorial de Aires (1908), além das coletâneas de contos Papéis Avulsos (1882), Várias Histórias (1896), Páginas Recolhidas (1906), Relíquias da Casa Velha (1906), e da coletânea de poesias Ocidentais. Em 1904, morre Carolina Xavier de Novaes, e Machado de Assis escreve um de seus melhores poemas, Carolina, em homenagem à falecida esposa. Muito doente, solitário e triste depois da morte da esposa, Machado de Assis morreu em 29 de setembro de 1908, em sua velha casa no bairro carioca do Cosme Velho. Nem nos últimos dias, aceitou a presença de um padre que lhe tomasse a confissão. Bem conhecido pela quantidade de pessoas que visitaram o escritor carioca em seus últimos dias, como Mário de Alencar, Euclides da Cunha e Astrogildo Pereira (ainda rapaz e por isso desconhecido dos demais escritores), ficcionalmente o tema da morte de Machado de Assis foi revisto por Haroldo Maranhão.
[editar] Estilo literário
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É considerado por muitos o maior escritor brasileiro de todos os tempos e um dos maiores escritores do mundo, enquanto romancista e contista. Suas crônicas não têm o mesmo brilho e seus poemas têm uma diferença curiosa com o restante de sua produção: ao passo que na prosa Machado é contido e elegante, seus poemas são algumas vezes chocantes na crueza dos termos -- similar talvez à de Augusto dos Anjos.
O crítico norte-americano Harold Bloom considera Machado de Assis um dos 100 maiores gênios da literatura de todos os tempos (chegando ao ponto de considerá-lo o melhor escritor negro da literatura ocidental), ao lado de clássicos como Dante, Shakespeare e Cervantes. A obra de Machado de Assis vem sendo estudada por críticos de vários países do mundo, entre eles, Giusepe Alpi (Itália), Lourdes Andreassi (Portugal), Albert Bagby Jr. (Estados Unidos da América), Abel Barros Baptista (Portugal), Hennio Morgan Birchal (Brasil), Edoardo Bizzarri (Itália), Jean-Michel Massa (França), Helen Caldwell (Estados Unidos da América), John Gledson (Inglaterra), Adrien Delpech (França), Albert Dessau (Alemanha), Paul Dixon (Estados Unidos da América), Keith Ellis (Estados Unidos da América), Edith Fowke (Canadá), Anatole France (França), Richard Graham (Estados Unidos da América), Pierre Hourcade (França), David Jackson (Estados Unidos da América), Linda Murphy Kelley (Estados Unidos da América), John C. Kinnear, Alfred Mac Adam (Estados Unidos da América), Victor Orban (França), Houwens Post (Itália), Samuel Putnam (Estados Unidos da América), John Hyde Schmitt, Tony Tanner (Inglaterra), Jack E. Tomlins (Estados Unidos da América), Carmelo Virgillo (Estados Unidos da América), Dieter Woll (Alemanha) e Susan Sontag (Estados Unidos da América).
O estilo literário de Machado de Assis tem inspirado muitos escritores brasileiros ao longo do tempo e sua obra tem sido adaptada para a televisão, o teatro e o cinema. Em 1975, a Comissão Machado de Assis, instituída pelo Ministério da Educação e Cultura, organizou e publicou as edições críticas de obras de Machado de Assis, em 15 volumes. Suas principais obras foram traduzidas para diversos idiomas e grandes escritores contemporâneos como Salman Rushdie, Cabrera Infante e Carlos Fuentes confessam serem fãs de sua ficção, como também o confessou Woody Allen. A Academia Brasileira de Letras criou o Espaço Machado de Assis, com informações sobre a vida e a obra do escritor.
Machado em suas obras interpela o leitor, ultrapassando a chamada quarta parede, nisso tendo sido influenciado por Manuel Antonio de Almeida, que já havia utilizado a técnica, bem como Miguel de Cervantes, e outros autores, mas nenhum deles com tanta ênfase quanto Machado.
[editar] Machado de Assis e o xadrez
Machado de Assis foi um exímio jogador de xadrez, tendo formulado problemas enxadrísticos para diversos periódicos e mesmo participado do primeiro campeonato disputado no Brasil. Em muitas de suas obras, faz menções ao jogo, como por exemplo, em Iaiá Garcia.
[editar] Representações na cultura
Machado de Assis já foi retratado como personagem no cinema, interpretado por Jaime Santos no filme "Vendaval Maravilhoso" (1949) e Ludy Montes Claros no filme "Brasília 18%" (2006). Também teve sua efígie impressa nas notas de NCz$ 1,00 (um cruzado novo; até 1989, com valor de mil cruzados) de 1987. Importantes concursos são realizados em todo mundo levando seu nome, a exemplo de Brasília que tem um significativo concurso com seu nome, realizado pelo SESC/DF.
[editar] Obra
Toda a obra de Machado de Assis é de domínio público, por ter expirado o correspondente direito de autor em 1978, ao se completarem 70 anos do falecimento do autor.
O Wikisource possui trabalhos escritos por este autor: Machado de Assis
[editar] Romance
Ressurreição, 1872
A mão e a luva, 1874
Helena, 1876
Iaiá Garcia, 1878
Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881
Casa Velha, 1885
Quincas Borba, 1891
Dom Casmurro, 1899
Esaú e Jacó, 1904
Memorial de Aires, 1908
[editar] Poesia
Crisálidas[2], 1864
Falenas, 1870
Americanas, 1875
Ocidentais, 1880
Poesias completas, 1901
[editar] Livros de contos
Contos Fluminenses, 1870
Histórias da Meia-Noite, 1873
Papéis Avulsos, 1882
Histórias sem Data, 1884
Várias Histórias, 1896
Páginas Recolhidas, 1899
Relíquias da Casa Velha, 1906
[editar] Alguns contos
A Carteira (conto do livro Contos Fluminenses)
Miss Dollar (conto do livro Contos Fluminenses)
O Alienista (conto do livro Papéis Avulsos)
A Sereníssima República (conto do livro Papéis Avulsos)
O Segredo do Bonzo (conto do livro Papéis Avulsos)
Teoria do Medalhão (conto do livro Papéis Avulsos)
Uma Visita de Alcibíades (conto do livro Papéis Avulsos)
O Espelho (conto) (conto do livro Papéis Avulsos)
Noite de Almirante (conto do livro Histórias sem Data)
Um Homem Célebre (conto do livro Várias Histórias)
Conto da Escola (conto do livro Várias Histórias)
Uns Braços (conto do livro Várias Histórias)
A Cartomante (conto do livro Várias Histórias)
O Enfermeiro (conto do livro Várias Histórias)
Trio em Lá Menor ((conto do livro Várias Histórias)
O Caso da Vara (conto do livro Páginas Recolhidas)
Missa do Galo (conto do livro Páginas Recolhidas)
Almas Agradecidas
[editar] Teatro
Hoje avental, amanhã luva, 1860
Queda que as mulheres têm para os tolos, 1861
Desencantos, 1861
O caminho da porta, 1863
O protocolo, 1863
Quase ministro, 1864
Os deuses de casaca, 1866
Tu, só tu, puro amor, 1880
Não consultes médico, 1896
Lição de botânica, 1906
Nota: Não foram incluídos na presente lista os diversos textos de crítica e as crônicas publicados em jornais e revistas ao longo dos anos. Academia Brasileira de Letras
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Era Machado o maior nome vivo da Literatura no Brasil, quando um grupo de jovens, capitaneados por Lúcio de Mendonça resolve finalmente pôr em prática a idéia da fundação da Academia Brasileira de Letras nos moldes da Academia francesa. Machado foi seu primeiro presidente e seu discurso de fundação em 1887 revela sua intenção em participar da Academia:
Senhores, Investindo-me no cargo de presidente, quisestes começar a Academia Brasileira de Letras pela consagração da idade. Se não sou o mais velho dos nossos colegas, estou entre os mais velhos. É simbólico da parte de uma instituição que conta viver, confiar da idade funções que mais de um espírito eminente exerceria melhor. Agora que vos agradeço a escolha, digo-vos que buscarei na medida do possível corresponder à vossa confiança. Não é preciso definir esta instituição. Iniciada por um moço, aceita e completada por moços, a Academia nasce com a alma nova e naturalmente ambiciosa. O vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância. A Academia Francesa, pela qual esta se modelou, sobrevive aos acontecimentos de toda a casta, às escolas literárias e às transformações civis. A vossa há de querer ter as mesmas feições de estabilidade e progresso. Já o batismo das suas cadeiras com os nomes preclaros e saudosos da ficção, da lírica, da crítica e da eloqüência nacionais é indício de que a tradição é o seu primeiro voto. Cabe-vos fazer com que ele perdure. Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam também aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira. Está aberta a sessão.
Machado de Assis, 1897
Precedido porCriação da Academia Brasileira de Letras
Cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras1897 -1908
Sucedido porLafayette Rodrigues Pereira
Precedido porCriação da Academia Brasileira de Letras
Presidente da Academia Brasileira de Letras1897 - 1908
Sucedido porRui Barbosa
Referências
↑ JB online (acessado em 30 de janeiro de 2008)
↑ A princípio utilizou os padrões do Romantismo na composição poética, porém deles não se utiliza em seus contos e romances. Confessa não participar do Realismo, é um crítico do estilo de Eça de Queiroz e acreditava existir uma Verdade necessária à obra literária, porém em seus romances busca desvendar os conflitos reais e os mecanismos sociais.
Ligações externas
O Wikimedia Commons possui multimídia sobre Machado de Assis
O Wikiquote tem uma coleção de citações de ou sobre: Machado de Assis.
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Site da Fundação Casa de Rui Barbosa
MetaLibri Digital Library
Contos Fluminenses
Dom Casmurro
Helena
histórias da Meia Noite
Memórias Póstumas de Bras Cubas
Quincas Borba
Machado de Assis (Academia Brasileira de Letras)
Obras de Machado de Assis no Project Gutenberg USA
Obras de Machado de Assis para leitura na Internet
Machado de Assis
Manuscrito de Machado de Assis
Mário de Alencar, filho de Machado de Assis?
BIOGRAFIAS
A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z
Machado de AssisRomances: Ressurreição A Mão e a Luva Helena Iaiá Garcia Memórias Póstumas de Brás Cubas Quincas Borba Dom Casmurro Esaú e Jacó Memorial de AiresContos: Contos Fluminenses Histórias da Meia-Noite Papéis Avulsos (O Alienista) Histórias sem Data Várias Histórias Páginas Recolhidas Relíquias da Casa VelhaPoesias: Crisálidas Falenas Americanas Poesias CompletasPeças de teatro: Hoje Avental, Amanhã Luva Queda que as Mulheres Têm para os Tolos Desencantos O Caminho da Porta O Protocolo Quase Ministro Os Deuses de Casaca Tu, Só Tu, Puro Amor Não Consultes Médico Lição de Botânica
Obtido em "http://pt.wikipedia.org/wiki/Machado_de_Assis"
Categoria: Machado de Assis
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
o
O Brasil Negro III
Edison Carneiro, no artigo "Nina Rodrigues", escrito em 1956 reconhece, apesar das críticas, os méritos do autor de Africanos no Brasil, em especial, o de ter proposto um método comparativo para o estudo dos comportamentos do negro no Brasil e na África. Edison Carneiro e Artur Ramos são herdeiros desse método, o que é explicitamente reconhecido pelo primeiro quando escreve no mesmo artigo acima citado:
"Línguas, religiões e folclore eram elementos dessa comparação a que a história dava a perspectiva final. Deste modo ganhou o negro a sua verdadeira importância em face da sociedade brasileira."
Compare-se, agora, o que vai dito nesse último período da citação de Edison Carneiro com a observação de Herskovits, transcrita mais atrás ("E o negro americano, ao descobrir que tem um passado, adquire uma segurança maior de que terá um futuro."), e ter-se-á uma medida objetiva de quanto os propósitos político-intelectuais desses autores eram coincidentes, levando-se em conta, é claro, as diferenças entre a sociedade americana e a shociedade brasileira.
Mas, num caso e noutro, tratava-se de reencontrar a história do negro pela via da valorização de sua cultura, na África e no país de destino, comparando-a nas duas situações, fazendo-o, dessa vez chegar aos EUA ou no Brasil, onde quer que fosse, pela porta da dignidade e da distinção que o passaporte dos ritos, das línguas, da complexidade cultural de suas origens lhe conferia.
É a fase heróica dos estudos do negro no Brasil. Por volta de 1950 encerra-se, segundo Edison Carneiro essa fase e tem início a chamada fase sociológica desses estudos, conforme se pode ler no seu artigo programático "Os estudos brasileiros do negro", de 1953:
"Se o negro com sua presença alterou certos traços do branco e do indígena, sabemos que estes, por sua vez, transformaram toda a vida material e espiritual do negro, que hoje representa apenas 11% da população (1950), utiliza a língua portuguesa e na prática esquecem as suas antigas vinculações tribais para interessar-se pelos problemas nacionais como um brasileiro de quatro costados. Tudo isso significa que devemos analisar o particular sem perder de vista o geral, sem prescindir do geral, tendo sempre presente a velha constatação científica de que a modificação na parte implica em modificação no todo, como qualquer modificação no todo importa em modificações em suas partes."
Estava encerrada a fase afro-brasileira dos estudos do negro no Brasil e firmava-se, particularmente, com os trabalhos de Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, na chamada Escola Sociológica de São Paulo, uma nova tendência desses estudos agora voltados para a análise da estrutura de classes no país e, nela, para a história particular do negro, primeiro como escravo, depois como trabalhador livre marcado pelo estigma do preconceito de cor.
Como escrevemos no livro Cafundó - A África no Brasil, que publicamos em co-autoria com Peter Fry e com a colaboração de Robert Slenes, ao romantismo da fase teórica substitui-se um realismo de inspiração sociológica, de fundo social e de aspiração socialista.
Resumindo, o movimento desses estudos poderia ser caracterizado, em um primeiro passo, por sua ênfase cientificista ou médico-legalista, embora já com as sementes do culturalismo que dominaria o panorama da segunda fase, havendo em um terceiro momento, a predominância de uma visão sociológica da questão, como acabamos de dizer. http://www.comciencia.br/reportagens/negros/01.shtml
Edison Carneiro, no artigo "Nina Rodrigues", escrito em 1956 reconhece, apesar das críticas, os méritos do autor de Africanos no Brasil, em especial, o de ter proposto um método comparativo para o estudo dos comportamentos do negro no Brasil e na África. Edison Carneiro e Artur Ramos são herdeiros desse método, o que é explicitamente reconhecido pelo primeiro quando escreve no mesmo artigo acima citado:
"Línguas, religiões e folclore eram elementos dessa comparação a que a história dava a perspectiva final. Deste modo ganhou o negro a sua verdadeira importância em face da sociedade brasileira."
Compare-se, agora, o que vai dito nesse último período da citação de Edison Carneiro com a observação de Herskovits, transcrita mais atrás ("E o negro americano, ao descobrir que tem um passado, adquire uma segurança maior de que terá um futuro."), e ter-se-á uma medida objetiva de quanto os propósitos político-intelectuais desses autores eram coincidentes, levando-se em conta, é claro, as diferenças entre a sociedade americana e a shociedade brasileira.
Mas, num caso e noutro, tratava-se de reencontrar a história do negro pela via da valorização de sua cultura, na África e no país de destino, comparando-a nas duas situações, fazendo-o, dessa vez chegar aos EUA ou no Brasil, onde quer que fosse, pela porta da dignidade e da distinção que o passaporte dos ritos, das línguas, da complexidade cultural de suas origens lhe conferia.
É a fase heróica dos estudos do negro no Brasil. Por volta de 1950 encerra-se, segundo Edison Carneiro essa fase e tem início a chamada fase sociológica desses estudos, conforme se pode ler no seu artigo programático "Os estudos brasileiros do negro", de 1953:
"Se o negro com sua presença alterou certos traços do branco e do indígena, sabemos que estes, por sua vez, transformaram toda a vida material e espiritual do negro, que hoje representa apenas 11% da população (1950), utiliza a língua portuguesa e na prática esquecem as suas antigas vinculações tribais para interessar-se pelos problemas nacionais como um brasileiro de quatro costados. Tudo isso significa que devemos analisar o particular sem perder de vista o geral, sem prescindir do geral, tendo sempre presente a velha constatação científica de que a modificação na parte implica em modificação no todo, como qualquer modificação no todo importa em modificações em suas partes."
Estava encerrada a fase afro-brasileira dos estudos do negro no Brasil e firmava-se, particularmente, com os trabalhos de Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, na chamada Escola Sociológica de São Paulo, uma nova tendência desses estudos agora voltados para a análise da estrutura de classes no país e, nela, para a história particular do negro, primeiro como escravo, depois como trabalhador livre marcado pelo estigma do preconceito de cor.
Como escrevemos no livro Cafundó - A África no Brasil, que publicamos em co-autoria com Peter Fry e com a colaboração de Robert Slenes, ao romantismo da fase teórica substitui-se um realismo de inspiração sociológica, de fundo social e de aspiração socialista.
Resumindo, o movimento desses estudos poderia ser caracterizado, em um primeiro passo, por sua ênfase cientificista ou médico-legalista, embora já com as sementes do culturalismo que dominaria o panorama da segunda fase, havendo em um terceiro momento, a predominância de uma visão sociológica da questão, como acabamos de dizer. http://www.comciencia.br/reportagens/negros/01.shtml
Culinaria Da Africa do Sul
A culinária da África do Sul é bastante variada. Deriva:
Dos costumes indígenas de tribos como os Khoisan, Xhosa e Sotho;
Dos costumes estrangeiros introduzidos durante a época colonial por descendentes afrikaners e britânicos, assim como por seus escravos e serventes - isto inclui as influências da culinária malaia dos povos provenientes da Malásia e de Java.
Dos costumes indígenas de tribos como os Khoisan, Xhosa e Sotho;
Dos costumes estrangeiros introduzidos durante a época colonial por descendentes afrikaners e britânicos, assim como por seus escravos e serventes - isto inclui as influências da culinária malaia dos povos provenientes da Malásia e de Java.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Culin%C3%A1ria_da_%C3%81frica_do_Sul
I
De um modo geral, os estudos e as atitudes intelectuais e políticas voltados positivamente à questão do negro no Brasil só se desenvolvem, efetivamente, no século XX, embora tenha havido, no século XIX, toda uma literatura abolicionista, de Castro Alves a Joaquim Nabuco que, no entanto, tratou o negro como um problema homogeneizado pela escravidão, enquanto mácula.
É verdade que Nina Rodrigues, apontado como pioneiro dos estudos africanos no Brasil, vinha trabalhando sobre o tema desde o final do século XIX e que já em 1900 havia publicado no Jornal do Comércio o que viria a ser depois capítulo do livro póstumo Os africanos no Brasil, de 1933. Dois outros capítulos desse livro foram também publicados antes da morte do autor em Paris, em 1906: "As sublevações de negros no Brasil anteriores ao século XIX. Palmares", no Diário da Bahia e "Sobrevivências totêmicas: festas populares e folclore", novamente no Jornal do Comércio.
A advertência que Silvio Romero fizera no mesmo ano da Abolição da Escravatura, em 1888, sobre a urgência de se voltarem os estudos no Brasil para a questão do negro aparece como epígrafe no livro de Nina Rodrigues:
[...] temos a África em nossas cozinhas, como a América em nossas selvas, e a Europa em nossos salões [...] Apressem-se os especialistas, visto que os pobres moçambiques, benguelas, monjolos, congos, cabindas, caçangas... vão morrendo..."
A adoção da advertência de Silvio Romero por Nina Rodrigues, como epígrafe, resume bem as contradições de atitudes em relação ao negro que marcaram a obra do médico e intelectual maranhense na Bahia: Defensor dos valores culturais dos africanos no Brasil e dos seus direitos à liberdade de suas práticas religiosas, mesmo contra as autoridades policiais que as perseguiam, Nina Rodrigues irmanava-se também com Silvio Romero na visão "científica" da inferioridade racial do negro:
"O critério científico da inferioridade da Raça Negra nada tem de comum com a revoltante exploração que dele fizeram os interesses escravistas dos norte-americanos. Para a ciência não é esta inferioridade mais do que um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões ou secções (...) A Raça Negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores de nossa inferioridade como povo (...)."
II
Em 1941, M. Herskovits, autor, na mesma década e na seguinte, de vários trabalhos sobre a cultura afro-brasileira, publica o livro The myth of the negro past. Nele, logo no início declara a intenção de, realizando pesquisas sobre a cultura de origem africana no EUA, contribuir para "melhorar a situação inter-racial" nesse país.
Constrói, assim, livro para ajudar a compreender a história do negro, história até então ignorada, por zelo e por descuido, contrapondo-se a cinco "mitos" então vigentes. Primeiro, que os negros, como crianças, reagem pacificamente a "situações sociais não satisfatórias"; segundo, que apenas os africanos mais fracos foram capturados, tendo os mais inteligentes fugido com êxito; terceiro, como os escravos provinham de todas as regiões da África, falavam diversas línguas, vinham de culturas bastante variadas e tendo sido dispersos por todo o país, não conseguiram estabelecer um "denominador cultural" comum; quarto, que, embora negros da mesma origem tribal conseguissem, às vezes, manter-se juntos nos EUA, não conseguiam manter a sua cultura porque esta era patentemente inferior à dos seus senhores; quinto, que "o negro é assim um homem sem um passado".
Ao escrever o prefácio da 2ª edição de seu livro, em 1958, Herskovits reconheceria que muitas coisas haviam mudado, desde a primeira edição, em 1941 e que o número de negros que rejeitavam seu passado estava diminuindo paulatinamente, o mesmo acontecendo com as atitudes dos brancos em relação aos pontos de vista anteriores, para, então, arrematar:
"E o negro americano, ao descobrir que tem um passado, adquire uma segurança maior de que terá um futuro."
A oposição entre o otimismo culturalista de Herskovits e o pessimismo cientifista de Nina Rodrigues explica-se, entre outras coisas, pela própria mudança dos paradigmas teóricos no tratamento dos africanismos na América e pelo descrédito científico em que acabara caindo a frenologia lombrosiana e que tanto marcava a postura intelectual de Nina Rodrigues e de tantos outros no Brasil, inclusive Euclides da Cunha em Os sertões.
Mas, como se viu, o racismo cientificista de Nina Rodrigues não era a única vertente analítica de seus estudos sobre o tema. A simpatia pela cultura dos povos africanos para cá trazidos como escravos, os processos de suas adequações, transformações e influências pela interação com os outros elementos constitutivos dessa nova realidade - o branco europeu e o indígena americano, em particular, como lembrava, veemente e dramático, Silvio Romero - , essa simpatia, pois, resultando em atitudes intelectuais positivas em relação ao negro, foi o que sobreviveu ao modismo positivista do médico Nina Rodrigues, fazendo do etnólogo, que nele também convivia, a influência mais importante para o desenvolvimento dos estudos do negro no Brasil no início do século XX.
Nessa linha, muitos foram os seus seguidores ou, ao menos, seus admiradores nas décadas seguintes, caso, em particular, de Artur Ramos e de Edison Carneiro, mesmo quando se contrapunham em diferenças teóricas e metodológicas, ou quando se alinhavam nas disputas regionais, Gilberto Freyre .
De um modo geral, os estudos e as atitudes intelectuais e políticas voltados positivamente à questão do negro no Brasil só se desenvolvem, efetivamente, no século XX, embora tenha havido, no século XIX, toda uma literatura abolicionista, de Castro Alves a Joaquim Nabuco que, no entanto, tratou o negro como um problema homogeneizado pela escravidão, enquanto mácula.
É verdade que Nina Rodrigues, apontado como pioneiro dos estudos africanos no Brasil, vinha trabalhando sobre o tema desde o final do século XIX e que já em 1900 havia publicado no Jornal do Comércio o que viria a ser depois capítulo do livro póstumo Os africanos no Brasil, de 1933. Dois outros capítulos desse livro foram também publicados antes da morte do autor em Paris, em 1906: "As sublevações de negros no Brasil anteriores ao século XIX. Palmares", no Diário da Bahia e "Sobrevivências totêmicas: festas populares e folclore", novamente no Jornal do Comércio.
A advertência que Silvio Romero fizera no mesmo ano da Abolição da Escravatura, em 1888, sobre a urgência de se voltarem os estudos no Brasil para a questão do negro aparece como epígrafe no livro de Nina Rodrigues:
[...] temos a África em nossas cozinhas, como a América em nossas selvas, e a Europa em nossos salões [...] Apressem-se os especialistas, visto que os pobres moçambiques, benguelas, monjolos, congos, cabindas, caçangas... vão morrendo..."
A adoção da advertência de Silvio Romero por Nina Rodrigues, como epígrafe, resume bem as contradições de atitudes em relação ao negro que marcaram a obra do médico e intelectual maranhense na Bahia: Defensor dos valores culturais dos africanos no Brasil e dos seus direitos à liberdade de suas práticas religiosas, mesmo contra as autoridades policiais que as perseguiam, Nina Rodrigues irmanava-se também com Silvio Romero na visão "científica" da inferioridade racial do negro:
"O critério científico da inferioridade da Raça Negra nada tem de comum com a revoltante exploração que dele fizeram os interesses escravistas dos norte-americanos. Para a ciência não é esta inferioridade mais do que um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões ou secções (...) A Raça Negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores de nossa inferioridade como povo (...)."
II
Em 1941, M. Herskovits, autor, na mesma década e na seguinte, de vários trabalhos sobre a cultura afro-brasileira, publica o livro The myth of the negro past. Nele, logo no início declara a intenção de, realizando pesquisas sobre a cultura de origem africana no EUA, contribuir para "melhorar a situação inter-racial" nesse país.
Constrói, assim, livro para ajudar a compreender a história do negro, história até então ignorada, por zelo e por descuido, contrapondo-se a cinco "mitos" então vigentes. Primeiro, que os negros, como crianças, reagem pacificamente a "situações sociais não satisfatórias"; segundo, que apenas os africanos mais fracos foram capturados, tendo os mais inteligentes fugido com êxito; terceiro, como os escravos provinham de todas as regiões da África, falavam diversas línguas, vinham de culturas bastante variadas e tendo sido dispersos por todo o país, não conseguiram estabelecer um "denominador cultural" comum; quarto, que, embora negros da mesma origem tribal conseguissem, às vezes, manter-se juntos nos EUA, não conseguiam manter a sua cultura porque esta era patentemente inferior à dos seus senhores; quinto, que "o negro é assim um homem sem um passado".
Ao escrever o prefácio da 2ª edição de seu livro, em 1958, Herskovits reconheceria que muitas coisas haviam mudado, desde a primeira edição, em 1941 e que o número de negros que rejeitavam seu passado estava diminuindo paulatinamente, o mesmo acontecendo com as atitudes dos brancos em relação aos pontos de vista anteriores, para, então, arrematar:
"E o negro americano, ao descobrir que tem um passado, adquire uma segurança maior de que terá um futuro."
A oposição entre o otimismo culturalista de Herskovits e o pessimismo cientifista de Nina Rodrigues explica-se, entre outras coisas, pela própria mudança dos paradigmas teóricos no tratamento dos africanismos na América e pelo descrédito científico em que acabara caindo a frenologia lombrosiana e que tanto marcava a postura intelectual de Nina Rodrigues e de tantos outros no Brasil, inclusive Euclides da Cunha em Os sertões.
Mas, como se viu, o racismo cientificista de Nina Rodrigues não era a única vertente analítica de seus estudos sobre o tema. A simpatia pela cultura dos povos africanos para cá trazidos como escravos, os processos de suas adequações, transformações e influências pela interação com os outros elementos constitutivos dessa nova realidade - o branco europeu e o indígena americano, em particular, como lembrava, veemente e dramático, Silvio Romero - , essa simpatia, pois, resultando em atitudes intelectuais positivas em relação ao negro, foi o que sobreviveu ao modismo positivista do médico Nina Rodrigues, fazendo do etnólogo, que nele também convivia, a influência mais importante para o desenvolvimento dos estudos do negro no Brasil no início do século XX.
Nessa linha, muitos foram os seus seguidores ou, ao menos, seus admiradores nas décadas seguintes, caso, em particular, de Artur Ramos e de Edison Carneiro, mesmo quando se contrapunham em diferenças teóricas e metodológicas, ou quando se alinhavam nas disputas regionais, Gilberto Freyre .
A INFLUÊNCIA DO NEGRO EM NOSSA CULTURA
Sem dúvida um dos principais romances realistas modernos é Robinson Crusoé, de Daniel Defoe. Temos ali a história de um homem europeu, náufrago numa ilha distante, povoada por nativos indolentes e selvagens, que cria para si mesmo um feudo naquela terra desconhecida e primitiva, para enfim voltar, alguns anos depois, à civilização. Vejamos: até que ponto um romance como esse não influenciou corações e mentes na Europa, que se considerava a si própria a região mais desenvolvida no mundo, o ápice da espécie humana? Indo um pouco mais além: como os estereótipos expostos acima (“nativo indolente”, “selvagem”, “primitivo”, “civilização”) não eram reconhecidos como o senso comum entre a sociedade européia nos séculos XVIII e XIX? Esses estereótipos, ao lado de figuras de retórica como “oriente misterioso” e “espírito africano”, entre outras, estiveram presentes nas grandes narrativas de romances ingleses e franceses, que ajudaram a consolidar idéias defendidas pela política imperialista de países como a Inglaterra e França. Em seu livro “Cultura e imperialismo”, Edward Said nos mostra como os pressupostos imperialistas influenciaram a cultura e os grandes romances de sua época, fazendo com que a soberania européia se estendesse não só às armas, mas também à maneira de pensar e à própria imaginação dos dominadores e dominados. O legado imperial de anos de colonialismo ainda hoje continua a afetar – em todas as práticas sociais, políticas e ideológicas – as relações entre o Ocidente e o mundo por ele colonizado. Em 1978, o palestino Edward Said ganhou fama internacional ao escrever o clássico “Orientalismo”, no qual rompia com os estudos pós-coloniais inspirados no marxismo para abraçar as teses de Foucault. Até então ninguém ousara interpretar a história como uma luta pela linguagem, e sim como uma luta de classes, como Marx e seus seguidores queriam. O sucesso desse livro pode ser revelado no subtítulo presente em sua edição brasileira: “O Oriente como invenção do Ocidente”. Said insistia que o discurso constitutivo da civilização ocidental enquanto tal havia definido o Oriente como o Outro civilizacional perigoso e inferiorizado, de tal modo que essa dialética negativa ajudara em grande parte na constituição da civilização européia. Assim, o negro africano, o indiano e mesmo o branco irlandês eram vistos não apenas como diferentes, mas como a completa negação do branco europeu. Eram o seu reverso. Para um senhor de escravos, corrompido por esse imaginário colonial, os nativos não poderiam comprender sentimentos como bondade e compaixão, que lhes provocavam ódio; enquanto açoites, insultos e outros abusos lhes provocavam gratidão, afeição e apego inviolável. Antonio Negri faz coro com a explicação de Said ao informar: o mal, a barbárie e a licenciosidade do Outro colonizado tornam possíveis a bondade, a civilidade e o decoro europeu [1]. Ou, nas palavras de Sartre: “Não há nada mais coerente que um humanismo racista; o europeu só se tornou homem após gerar escravos e monstros”. Em “Cultura e imperialismo”, o autor amplia a argumentação contida em “Orientalismo”, descrevendo as relações do Ocidente metropolitano com suas colônias e tentando entender, até que ponto, grandes romances como “O coração das trevas”, de Joseph Conrad, “Kim”, de Rudyard Kipling ou “Passagem para a Índia”, de E.M. Foster, consciente ou inconscientemente, ajudaram a disseminar os pressupostos colonialistas. Ao relacionar o prazer estético de grandes obras como parte intrínseca do processo imperial, Said procura dizer que este novo aspecto a ser estudado, relacionando cultura e política, longe de reduzir, na verdade aprofunda nossa compreensão dessas obras. É necessário, segundo o autor, enxergar a história e a cultura de maneira não monolítica, descompartimentalizada, sem separações ou distinções reducionistas.Uma das realizações do imperialismo foi a de aproximar o mundo. Na introdução de seu livro, Said nos diz: “Todas as culturas estão mutuamente imbricadas; nenhuma é pura e única, todas são híbridas e heterogêneas, extremamente diferenciadas, sem qualquer monolitismo”. Para o autor, isso vale tanto para os Estados Unidos contemporâneos quanto para o mundo árabe moderno, em que restrições ao “não-americanismo” e ameaças ao arabismo são ainda comuns. Numa segunda parte do livro, o autor vai em busca de autores nas colônias que ousaram contestar a política imperial, inclusive aqueles que buscaram nos ideais da Revolução Francesa fontes para as lutas por independência em seus territórios ocupados. Ou como o personagem Caliban, presente em “A tempestade” de Shakespeare, influenciou poetas nas lutas pela libertação no Caribe.
Moldando o passadoNo primeiro capítulo de Cultura e imperialismo, “Territórios sobrepostos, histórias entrelaçadas”, Edward Said parte de um famoso ensaio crítico do poeta T.S. Elliot – “nenhum poeta, nenhum artista ou qualquer arte, tem seu pleno significado sozinho” – para discutir a idéia central presente em Elliot: a maneira como formulamos o passado molda nossa compreensão e nossas concepções do presente. Partindo daí, relata como na Guerra do Golfo de 1990-91 o confronto entre o Iraque e os Estados Unidos foi resultado de duas histórias fundamentalmente opostas, cada qual usada pelo establishment oficial do respectivo país em benefício próprio.Cultura e ImperialismoEdward W. SaidRogério Martins de Souzahttp://www.eco.ufrj.br/semiosfera/anteriores/semiosfera07/conteudo_res_esaid.htm#autor
Moldando o passadoNo primeiro capítulo de Cultura e imperialismo, “Territórios sobrepostos, histórias entrelaçadas”, Edward Said parte de um famoso ensaio crítico do poeta T.S. Elliot – “nenhum poeta, nenhum artista ou qualquer arte, tem seu pleno significado sozinho” – para discutir a idéia central presente em Elliot: a maneira como formulamos o passado molda nossa compreensão e nossas concepções do presente. Partindo daí, relata como na Guerra do Golfo de 1990-91 o confronto entre o Iraque e os Estados Unidos foi resultado de duas histórias fundamentalmente opostas, cada qual usada pelo establishment oficial do respectivo país em benefício próprio.Cultura e ImperialismoEdward W. SaidRogério Martins de Souzahttp://www.eco.ufrj.br/semiosfera/anteriores/semiosfera07/conteudo_res_esaid.htm#autor
A África é o território terrestre habitado há mais tempo, e supõe-se que foi neste continente que a espécie humana surgiu a partir de subespécies proto-negróides(não confundir com os negróides atuais, frutos de complexas hibridizações com outras subespécies oriundas da Eurásia; exceto os da África Ocidental, que se biopreservaram melhor), embora a teoria multi-regional (outra hipótese para explicar a origem do homem) reúna o extremo sudoeste da Ásia e o extremo nordeste da África como uma só entidade morfológica. Os mais antigos fósseis de hominídeos encontrados na África(Tanzânia e Quênia) têm cerca de cinco milhões de anos.
O Egito foi provavelmente o primeiro estado a constituir-se na África, há cerca de 5000 anos, mas muitos outros reinos ou cidades-estados se foram sucedendo neste continente, ao longo dos séculos. Para além disso, a África foi, desde a antiguidade, procurada por povos doutros continentes, que buscavam as suas riquezas, por vezes ocupando partes do “Continente Negro” por largos períodos. A estrutura actual de África, no entanto, é muito recente – meados do século XX – e resultou da colonização europeia.
O Egito foi provavelmente o primeiro estado a constituir-se na África, há cerca de 5000 anos, mas muitos outros reinos ou cidades-estados se foram sucedendo neste continente, ao longo dos séculos. Para além disso, a África foi, desde a antiguidade, procurada por povos doutros continentes, que buscavam as suas riquezas, por vezes ocupando partes do “Continente Negro” por largos períodos. A estrutura actual de África, no entanto, é muito recente – meados do século XX – e resultou da colonização europeia.
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Bandeira da África do Sul
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DADOS PRINCIPAIS:
Área: 1.221.037 km²Capital: Cidade do Cabo (legislativa), Bloemfontein (judiciária) e Pretória (administrativa)População: 47,43 milhões (estimativa 2005)Moeda: Rand Nome Oficial: República da África do SulNacionalidade: sul africanaData Nacional: 27 de abril (Dia da Liberdade) - primeiro dia de governo de Nelson MandelaGoverno: República Presidencialista GEOGRAFIA:
Mapa da África do SulLocalização: sul do Continente AfricanoCidade Principais: Cidade do Cabo, Durban, Johanesburgo, Pretória e Port Elizabeth.Densidade Demográfica: 39 hab./km2Fuso Horário: + 5hClima: tropical (maior parte), mediterrâneo (sul), árido tropical (norte), de montanha (oeste).
DADOS CULTURAIS E SOCIAIS:
Composição da População: grupos étnicos autóctones 70% (zulus 20,5%, chosas 18%, pedis 9%, sotos 7%, tsuanas 6%, tsongas 3,5%, suazis 2%, nedebeles 2%, vendas 2%), europeus 12% (holandeses, alemães, franceses, ingleses), eurafricanos 13%, indianos 3%, outros 2%.Idioma: africâner, inglês, sepédi, sessoto, setsuana entre outros.Religião: cristianismo 66,4% (reformistas católicos, metodistas, anglicanos, luteranos), hinduísmo 1,3%, islamismo 1,1%, judaísmo 0,2%, sem filiação 1,2%, outras 29,8%.IDH: 0,658 (2006)ECONOMIA:
Produtos Agrícolas: milho, cana-de-açúcar, uva, laranja e outras frutas.Pecuária: bovinos, aves, caprinos e ovinos.Mineração: carvão, minério de ferro, petróleo, ouro e diamante.Indústria: química, petroquímica, carvão, alimentícia, equipamentos de transporte, siderúrgica, máquinas, equipamentos agrícolas e metalúrgica.Renda per capita: US$ 3.400 (estimativa ano 2000).
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NA SEGUNDA metade do século XIX, uma livraria francesa vendia aos negros do Rio de Janeiro um bom número de exemplares do Alcorão. Havia na capital do Império uma comunidade muçulmana, formada em parte por ex-escravos imigrados da Bahia. No início do século XX, essa comunidade ainda era ativa e mantinha até mesmo escola corânica. Com o término dos contactos diretos entre o Brasil e a África, os islamitas do Rio tornaram-se cada vez mais isolados e os seus descendentes acabaram por se converter a outras crenças.
ABSTRACT
IN THE latter half of the 19th century, a French bookstore in Rio de Janeiro sold a large number of copies of the Koran to the city's blacks. The capital of the Empire boasted a Muslim community, partly comprised of former slaves who had migrated from Bahia, and which was still active in the early 20th century, to the point of maintaining a Koranic school. However, with the end of direct contact between Brazil and Africa, Rio's islamites became increasingly isolated and their descendants eventually converted to other beliefs.
NO DIA 22 de setembro de 1869, o conde de Gobineau, na época ministro da França no Brasil, escreveu num relatório político para o Quai d'Orsay1 que os livreiros franceses Fauchon e Dupont costumavam vender todos os anos, em sua loja no Rio de Janeiro, quase cem exemplares do Alcorão. Embora muito caro (entre 36 e 50 francos franceses), o livro era comprado quase que exclusivamente por escravos e ex-escravos, que tinham de fazer grandes sacrifícios para adquiri-lo. Alguns deles compravam o livro a prestação, e levavam um ano para pagá-lo. Como os Alcorões eram escritos em árabe – e a mão, pois, naquela época, não eram ainda impressos (e para este fato me chamou a atenção John O. Hunwick –, Fauchon e Dupont importavam também gramáticas daquele idioma, com explicações em francês, pois os escravos e ex-escravos desejavam aprender o árabe, a fim de ler e compreender o livro sagrado no original.
Quase certamente, a livraria tinha Gobineau como um bom freguês. E um freguês especial. Representante diplomático da França, era também um ficcionista muito conhecido e o autor de uma obra polêmica, o famoso Essai sur l'inégalité des races humaines. Na loja de Fauchon e Dupont, ele provavelmente obtinha a maioria dos últimos lançamentos franceses. Devia passar por lá todas as semanas, de modo que os dois livreiros pronto perderam o receio de falar-lhe sobre a venda de livros (em especial de livros proibidos) aos escravos. Gobineau recebeu a informação da melhor das fontes, portanto, e não tinha motivo para inflar o número de exemplares do Alcorão que eram vendidos no Rio de Janeiro: cem cópias e todas elas em árabe. Ainda que, para não sair de seus hábitos, Gobineau exagerasse, e Fauchon e Dupont não vendessem mais do que a metade, cinqüenta Alcorões já era uma boa quantidade, a indicar, primeiro, que o número de islamitas africanos ou descendentes de africanos na capital do Império era, naquela época, muito maior do que as aparências poderiam sugerir e, segundo, que eram islamitas estritos, pois não aceitavam o livro sagrado em nenhuma outra língua exceto aquela em que o recebeu Maomé.
Talvez muitos dos compradores do Alcorão não fossem capazes de o ler, mas queriam possuí-lo como o repositório da palavra de Deus, como um objeto de prestígio, como uma fonte de poder sobrenatural ou como um símbolo material da fé. De acordo com dois agudos observadores – Nina Rodrigues, no final do século XIX, em Salvador, e João do Rio, nos primeiros anos do século XX, no Rio de Janeiro –, a primeira coisa que chamava a atenção de quem visitasse a residência de um islamita eram os livros religiosos dispostos sobre a mesa2. A maioria dos muçulmis, muxurumins ou malês (como os negros muçulmanos eram conhecidos pelo povo dos orixás, pelos adeptos da umbanda e pelos católicos) podia ler o Alcorão ou desejava ser capaz de o ler. Os livros de gramática importados por Fauchon e Dupont deviam ter por principais compradores a gente jovem que se estava educando nas doutrinas e nos ritos da fé.
João do Rio era um excelente repórter, mas não tinha o menor respeito ou apreço pelas práticas religiosas dos africanos e de seus descendentes, nem por qualquer outra religião; era irônico e crítico em relação a todas elas. Essa circunstância dá ao que escreveu sobre o islamismo no Rio de Janeiro um toque especial de autenticidade. Não duvido, por isso, de suas palavras, quando nos conta que os rapazolas tinham de estudar com afinco, se queriam tornar-se clérigos ou alufás, e que na cidade havia pessoas capazes de ensinar-lhes o Alcorão e de examiná-los sobre o que tinham aprendido. Um de seus informantes afirmara-lhe que o candidato aprovado era conduzido em triunfo, a cavalo, pelas ruas de um subúrbio distante, acompanhado pelos fiéis.
João do Rio confirma, a respeito dos maometanos no Rio, o que Nina Rodrigues escrevera sobre os maometanos na Bahia: que formavam uma comunidade quase fechada. Nina Rodrigues errou, porém, ao reagir com incredulidade ao que o imame de Salvador e vários outros moslins lhe haviam dito: que, no Rio, os muçulmis estavam igualmente bem organizados, possuíam uma mesquita e realizavam publicamente, sem disfarce, algumas festividades e cerimônias. Mais tarde, ele obteve a informação suplementar de que a mesquita à qual os negros tinham acesso era mantida pela comunidade árabe. Esta última informação, sobre ser a mesquita pública mantida pelos árabes, é que estava equivocada. Até o final do século XIX, o número de imigrantes do Império Otomano recebido pelo Brasil foi insignificante: somente 3.023, de 1846 a 18893, e quase todos cristãos sírios e libaneses que fugiam das perseguições turcas.
Roger Bastide também se mostrou incrédulo em relação à existência de uma mesquita no Rio de Janeiro e de uma outra em São Paulo4. Com certeza não havia um edifício público dedicado ao islame. Os machacalis (da palavra hauçá masallachi?) ficavam provavelmente nas residências dos imames ou de alguns alufás. No Rio do início do século XX, o principal machacali situava-se na rua Barão de São Félix, na casa do imame. Nem poderia ser de outro modo na segunda metade do oitocentos, pois as leis do Império do Brasil (especialmente o Código Penal de 1830) proibiam os ritos de todas as religiões, exceto a católica, em qualquer "edifício que tivesse alguma forma exterior de templo". Foi só em 1870, para atender ao pedido dos imigrantes alemães, que os cultos protestantes foram aceitos como legais pelo Estado. Até essa data, não havia templos públicos protestantes no Brasil, nem uma só sinagoga que se mostrasse como tal, embora seus cultos fossem tolerados, sempre que de portas fechadas. Portanto, aquilo a que os informantes de Nina Rodrigues estavam aludindo como sendo uma mesquita era, provavelmente, a morada do imame, onde os fiéis se reuniam às sextas-feiras, para orar juntos. Mas era, sem dúvida alguma, uma mesquita, uma casa de oração, um espaço dedicado ao fervor religioso, similar a um machacali da Salvador de Nina Rodrigues: a casa do lemano Luís, no nº 3 da rua Alegria5.
Gobineau é claro: como não se aceitava, no Império do Brasil, a prática do islamismo, os moslins tentavam ocultar sua fé verdadeira e simulavam ser cristãos. Quando se perguntava por seus correligionários a quem se sabia ser muçulmano, a resposta era, quase sempre, a de que não passavam de uns poucos, de uma minoria insignificante, e que se contavam pelos dedos das mãos. Mesmo depois da Abolição e da Proclamação da República, continuaram os maometanos a insistir em que não possuíam expressão numérica importante, bem como em manter discrição sobre sua crença. E tinham um passado de razões para isso.
Uma pesquisa nos arquivos da polícia do Rio de Janeiro, São Luís, Recife, Salvador e outras cidades brasileiras trará à luz dados importantes sobre o tipo de perseguições que sofreram, durante o Império, as pessoas suspeitas de islamismo. A pesquisa também revelará a completa ignorância dos funcionários policiais sobre o islame. Na opinião deles, os moslins, além de serem difíceis e irritantes de lidar, formavam uma facção insubmissa e perigosa, sempre propensa a antagonizar as autoridades e a rebelar-se.
Algumas das ações repressivas contra os muçulmanos repercutiam na imprensa, embora raramente, porque os vexames contra escravos ou ex-escravos eram matéria de rotina. Nos jornais do século XIX, podemos encontrar, porém, aqui e ali, bons exemplos das suspeitas e perseguições que recaíam sobre os islamitas. Assim, na edição de 21 de setembro de 1853 do diário fluminense Correio Mercantil, na qual se publicou um artigo da autoria de um correspondente em Pernambuco6, com a seguinte história. No começo do mês, a polícia do Recife prendera um grupo de africanos que, sob a liderança de um alufá nagô, um certo Rufino, chamado Abuncare em sua terra natal, estava formando "uma nova seita religiosa". Com Abuncare foi encontrado "um livro, que ele declarou" – escreve incredulamente o jornalista – ser "o Alcorão", bem como "muitas folhas de papel escritas em hebraico" (sic). A polícia contou-lhe que Abuncare, um liberto, era muçulmano dos mais fanáticos, e de uma tal maneira, que, quando alguém contestava suas crenças, reagia com violência. O correspondente acrescentava que Abuncare merecia a prisão, porque era um vadio e "explorava" seus correligionários, "obrigados" a arcar com sua manutenção. E assim concluía: por causa desse adepto de Maomé, Recife passou vários dias em estado de alarme, pois muita gente acreditava que uma rebelião de escravos estava sendo preparada pelos muçulmanos.
Na correspondência da semana seguinte, o mesmo jornalista nos informa de que Abuncare recuperara a liberdade, uma vez que as autoridades judiciárias nada haviam encontrado nas suas atividades religiosas que pudesse significar perigo para a ordem pública. O jornalista reagiu com indignação, sugerindo que Abuncare fosse imediatamente mandado de volta à África, a fim de impedir-se que continuasse a contaminar outros escravos e libertos com suas nocivas idéias religiosas7.
Roger Bastide, assim como, antes dele, Arthur Ramos8, tinha dúvidas sobre o islamismo dos chamados muçulmis. Ambos opinavam não serem esses negros verdadeiros muçulmanos, porém tão-somente adeptos de uma espécie de sincretismo do islame com crenças e práticas pagãs, um sincretismo que tinham trazido consigo da África. É curioso observar como esses dois autores, que sempre olharam com benevolência para o catolicismo popular, se mostram severos no julgamento sobre o que deveria ser um verdadeiro muçulmano. E é mais interessante ainda verificar que apresentam como provas de sincretismo práticas reguladas ou aceitas por ramos do islame, como a feitura de grigris, as pequeninas bolsas de couro contendo versículos do Alcorão, a salat al-istisqa' ou oração pela chuva, a crença nos jinns e as tabuinhas de escrever ou atôs (de allo, em hauçá?), com versículos do Alcorão que se lavavam, sendo a água, em seguida, bebida pelos fiéis.
João do Rio não era antropólogo nem sociólogo. Tampouco estava obcecado, como tantos eruditos, no Brasil e em Cuba, com os problemas da aculturação, da contra-aculturação e do sincretismo. Escreveu sobre o que viu e o que lhe contaram. Seus moslins, assim como os de Manuel Querino e Nina Rodrigues, tentavam, num ambiente hostil, cumprir seus deveres religiosos com devoção e rigor. É verdade que, depois da Abolição e da República, cessou, pelo menos no Rio de Janeiro, a perseguição aos muçulmanos. A polícia do Rio tratava-os com mais consideração do que aos devotos da umbanda e do candomblé9, cujo ruidoso toque de tambores provocava muitas vezes reações negativas e protestos dos vizinhos.
Na capital da República, de acordo com João do Rio, os moslins africanos possuíam um imame ou lemano (que morava na rua Barão de São Félix), cádis ou alikalis (outra palavra hauçá, alkali), juízes subtitutos e oficiantes que dirigiam as preces coletivas e cerimônias. Praticavam a circuncisão (kola), jejuavam no Ramadã e mantinham mais de uma esposa. Eram estritos no rezar as orações diárias (kissium) e no cumprir as abluções rituais, algumas vezes vestidos de abadá, a túnica branca, com um gorro vermelho, o filá, na cabeça. À noite, não largavam o rosário (tessubá) das mãos. João do Rio não menciona que matassem carneiros no Id al-Adha e no Id al-Fitr, mas provavelmente o faziam, como aparecem registros em Nina Rodrigues10 e Manuel Querino11, na Bahia. Realizavam também, ainda que discretamente, alguma catequese, pois, como nos informa Nina Rodrigues12, a mulher do lemano de Salvador nascera no Brasil e convertera-se ao islamismo no Rio de Janeiro, onde morara durante algum tempo.
Em seu relatório, Gobineau escreve que todos os africanos moslins eram minas, denominação que no Rio de Janeiro e outras regiões do sul do Brasil significava qualquer africano que não fosse banto ou qualquer um que tivesse embarcado entre a costa do Senegal e os Camarões. Ele também menciona que um bom número dos africanos muçulmanos de Salvador, aos se tornarem livres, regressavam à Africa, mas que outros preferiam emigrar para o Rio de Janeiro. Quarenta anos mais tarde, João do Rio confirmaria a informação de Gobineau: muitos dos moslins do Rio de Janeiro provinham da Bahia. É possível que quisessem não apenas ficar longe de seus antigos donos, mas também escapar de constrangimentos pessoais, da desconfiança e das perseguições que se seguiram às revoltas das primeiras quatro décadas do século XIX.
Ao chegar ao Rio, esses baianos já encontraram muitos minas, desembarcados pelos navios negreiros diretamente da costa africana. E outros, trazidos do Nordeste, para serem vendidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, durante o auge do café. Esse comércio inter-regional começou por volta de 1830, aumentou depois de 1850 e atingiu suas cifras mais elevadas nos anos de 187013. Em conseqüência dessa migração forçada, uma área de predomínio banto como a província do Rio de Janeiro presenciou, durante cinco décadas, o crescimento numérico dos chamados minas: não somente iorubás, mas também fons, hauçás, gãs, guns, evés, baribas, fantes, bornus, nupes, grunces, mahis e mandingas. Alguns deles eram muçulmanos.
Antes mesmo da Abolição, os cativos e libertos que chegavam do norte ao Rio de Janeiro começaram a formar comunidades conforme a terra de origem, não na África, mas no Brasil. Os da Bahia, sobretudo os iorubás ou nagôs, mas também os outros, procuravam instalar-se num mesmo bairro, em volta ou perto da casa de um homem ou de uma mulher de prestígio – de uma ialorixá, de um babalorixá ou de alguém que tivesse chegado antes e fosse considerado como bem-sucedido, social ou economicamente. Na virada para o século XX, um grande número de famílias da Bahia morava num pedaço do Rio de Janeiro, junto à Praça 11, chamado Pequena África. Nessa Pequena África, os moslins concentraram-se em algumas poucas ruas: São Diogo, Barão de São Félix, do Hospício, do Núncio e da América14.
Buscavam os muçulmanos viver reunidos nos mesmos logradouros. Mas o que decidia o local onde se fixava uma família não era ser crente nos orixás, nem muçulmano, católico, iorubá, jeje ou hauçá, porém, sim, ter vindo de Salvador, fazer parte daquilo que podemos definir como diáspora baiana. Foi a partir dessa nova identidade que novas teias de solidariedade se teceram. Era por intermédio de Salvador que se importavam de Lagos ou de Ajudá nozes-de-cola, cauris, azeite-de-dendê, sabão e pano-da-costa. Passou-se, assim, no Rio de Janeiro, algo muito semelhante ao que acontecera com os africanos que retornaram do Brasil à África, e formaram em Acra, Anexô, Ajudá, Badagry, Porto Novo e Lagos os seus bairros próprios, e desenvolveram uma nova identidade grupal, a de "brasileiros".
Os negros islamitas nunca foram tão numerosos no Rio quanto em Salvador, onde, de acordo com Nina Rodrigues, um em cada três dos velhos africanos, antes da insurreição de 1835, era maometano15. Na época de Gobineau, o islame contava, porém, com um volume de adeptos suficiente para adquirir algumas dezenas de exemplares do Alcorão por ano e tornar o livro sagrado o best-seller da livraria de Fauchon e Dupont. Três décadas e meia mais tarde, já não havia mercado para novos Alcorões no Rio de Janeiro. Quando João do Rio escreveu seus artigos de jornal sobre as religiões da capital da República, o número de moslins havia diminuído consideravelmente. Talvez parte da informação que compilou já pertencesse ao passado. A um passado recente, mas passado. Foi ele contemporâneo de alguns moslins que se tornaram figuras lendárias na história do Rio de Janeiro – entre os quais o morador de um prédio de dois andares, o 191, na Praça 11, Assumano Mina do Brasil, famoso não só como alufá, mas também por ser um homem belíssimo –, porém a antiga comunidade muçulmana já começava a desaparecer.
Muitos de seus membros foram mandados de volta para a Costa africana pelas autoridades brasileiras, outros retornaram à África por vontade e iniciativa próprias, por não aceitarem continuar a ser governados por infiéis, ou descontentes com as restrições que seus cultos sofriam no Brasil, ou insatisfeitos com a desconfiança, misturada a uma espécie de medo e respeito, que os muçulmis inspiravam aos outros negros. A maioria morreu. Alguns deles, já na velhice, experimentaram a desilusão de ver filhos e netos abandonarem, pouco a pouco, o islamismo e se juntarem a outros grupos religiosos. Tal como aconteceu em Salvador, onde alguns velhos moslins se queixaram a Nina Rodrigues de que seus descendentes estavam trocando o islame pelos cultos dos orixás e pelo catolicismo16.
Com o término, no início do século XX, das conexões marítimas diretas entre Salvador e Lagos, os islamitas que viviam no Brasil perderam inteiramente o contato com seus correligionários na África. Tornaram-se cada vez mais isolados e herméticos, a ressentir-se da rejeição dos demais negros e obrigados, para serem aceitos, a fingir o que não eram e a adotar alguns dos comportamentos dos infiéis.
No Rio, como na Bahia e noutros lugares do Brasil, os muçulmis desprezavam a religião dos orixás e seus seguidores, e os adeptos dos orixás zombavam das práticas religiosas dos moslins. Embora os islamitas fossem geralmente respeitados como pessoas sérias e virtuosas, eram também temidos pelo segredo que os cercava. Não obstante, faziam parte, no Rio, da mesma diáspora, viviam entre os baianos de outras denominações religiosas e era no meio deles que escolhiam mulheres e maridos. Quase desde o princípio, os moslins menos estritos se misturaram e fraternizaram com os baianos de outras religiões: iam às suas festas, inclusive aos bailes e às rodas de samba, embora nunca tomassem bebidas alcoólicas nem comessem feijoada, porque continha carne de porco. Seus filhos e filhas viam-se, entretanto, obrigados a escolher entre ser parte de uma minoria sob suspeita ou aderir aos valores comuns do grupo dentro do qual viviam. Por isso, alguns dos que tinham sido criados como moslins acabaram por converter-se à religião dos orixás, à umbanda, ao catolicismo, ao evangelismo ou ao espiritismo.
A senhora Carmen Teixeira da Conceição serve de exemplo. Nascida em 1877, ela foi para o Rio de Janeiro em 1893, onde continuou a praticar a religião muçulmana. Já adulta, tornou-se cristã. Talvez se tenha sentido sem forças para seguir o islame em solidão e segredo. Talvez necessitasse de companhia na fé. Monoteísta, juntou-se aos que eram como ela, ainda que lessem um outro Livro. Morreu como católica devota, e das mais devotas, pois era membro de cinco confrarias religiosas e, por mais de cinqüenta anos, assistiu, todos os domingos, a duas missas. Apesar disso, numa conversa de fim de vida, os seus olhos marejaram-se de lágrimas, ao recordar a sua crença de menina e moça e os velhos muçulmanos do Rio de Janeiro17.
Notas
1 Jean-François de Raymond (ed.), Arthur de Gobineau et le Brésil: correspondance diplomatique du Ministre de France à Rio de Janeiro, Grenoble, Presses Universitaires de Grenoble, 1990, pp. 143-148. [ Links ]
2 Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, ed. revista e prefaciada por Homero Pires, São Paulo, Companhia Editora Nacional (Brasiliana), 1932, p. 96; [ Links ] João do Rio, As religiões no Rio, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1976 (1ª ed. 1902), p. 23. [ Links ]
3 J. Fernando Carneiro, Imigração e colonização no Brasil, Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, 1950, mapa defronte à p. 60. [ Links ]
4 Roger Bastide, As religiões africanas no Brasil, Trad. Maria Eloisa Capellato e Olívia Krähenbühl, São Paulo, Livraria Pioneira/Edusp, 1971, vol. 1, p. 205. [ Links ]
5 Nina Rodrigues, op. cit., p. 95.
6 Manolo Florentino chamou-me a atenção sobre esta matéria publicada pelo Correio Mercantil.
7 Correio Mercantil, Rio de Janeiro, 28 de outubro de 1853. [ Links ]
8 Arthur Ramos, O negro brasileiro, Recife, Fundação Joaquim Nabuco/ Massangana, 1988 (1ª ed. 1934), pp. 66-72; [ Links ] As culturas negras do novo mundo, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1946 (1ª ed. 1936), pp. 314-329; [ Links ] Introdução à antropologia brasileira, Rio de Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1943, vol. I, pp. 410-432. [ Links ]
9 Conforme disse d. Carmem Teixeira da Conceição, que tinha 105 anos de idade quando falou com João Baptista M. Vargens e Nei Lopes, Islamismo e negritude, Rio de Janeiro, Setor de Estudos Árabes da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1982, p. 76. [ Links ]
10 Nina Rodrigues, op. cit., p. 92.
11 Manuel Querino, Costumes africanos no Brasil, 2ª ed., Recife: Fundação Joaquim Nabuco/ Massangana, 1988, p. 71 (este texto foi publicado pela primeira vez em 1916). [ Links ]
12 Nina Rodrigues, op. cit., p. 95.
13 Evaldo Cabral de Mello, O norte agrário e o Império, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, pp. 28 e 39. [ Links ]
14 Roberto Moura, Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro, 2ª ed., Rio de Janeiro, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro/ Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1955, p. 133. [ Links ]
15 Nina Rodrigues, op. cit., p. 94.
16 Idem, p. 96.
17 João Baptista M. Vargens e Nei Lopes, op. cit., pp. 75-76.
Texto recebido e aceito para publicação em 5 de dezembro de 2003
Alberto da Costa e Silva, diplomata e escritor, é autor, entre outras obras, de A enxada e a lança: a África antes dos portugueses (1992), A manilha e o libambo. A África e a escravidão de 1500 a 1700 (2002). Presidente da Academia Brasileira de Letras (2002-2003). Este texto foi publicado no livro do autor Um rio chamado Atlântico. A África no Brasil e o Brasil na África, Rio de Janeiro, Nova Fronteira/Editora da UFRJ, 2003, pp. 177-186.
© 2008 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100024&lng=en&nrm=iso
ABSTRACT
IN THE latter half of the 19th century, a French bookstore in Rio de Janeiro sold a large number of copies of the Koran to the city's blacks. The capital of the Empire boasted a Muslim community, partly comprised of former slaves who had migrated from Bahia, and which was still active in the early 20th century, to the point of maintaining a Koranic school. However, with the end of direct contact between Brazil and Africa, Rio's islamites became increasingly isolated and their descendants eventually converted to other beliefs.
NO DIA 22 de setembro de 1869, o conde de Gobineau, na época ministro da França no Brasil, escreveu num relatório político para o Quai d'Orsay1 que os livreiros franceses Fauchon e Dupont costumavam vender todos os anos, em sua loja no Rio de Janeiro, quase cem exemplares do Alcorão. Embora muito caro (entre 36 e 50 francos franceses), o livro era comprado quase que exclusivamente por escravos e ex-escravos, que tinham de fazer grandes sacrifícios para adquiri-lo. Alguns deles compravam o livro a prestação, e levavam um ano para pagá-lo. Como os Alcorões eram escritos em árabe – e a mão, pois, naquela época, não eram ainda impressos (e para este fato me chamou a atenção John O. Hunwick –, Fauchon e Dupont importavam também gramáticas daquele idioma, com explicações em francês, pois os escravos e ex-escravos desejavam aprender o árabe, a fim de ler e compreender o livro sagrado no original.
Quase certamente, a livraria tinha Gobineau como um bom freguês. E um freguês especial. Representante diplomático da França, era também um ficcionista muito conhecido e o autor de uma obra polêmica, o famoso Essai sur l'inégalité des races humaines. Na loja de Fauchon e Dupont, ele provavelmente obtinha a maioria dos últimos lançamentos franceses. Devia passar por lá todas as semanas, de modo que os dois livreiros pronto perderam o receio de falar-lhe sobre a venda de livros (em especial de livros proibidos) aos escravos. Gobineau recebeu a informação da melhor das fontes, portanto, e não tinha motivo para inflar o número de exemplares do Alcorão que eram vendidos no Rio de Janeiro: cem cópias e todas elas em árabe. Ainda que, para não sair de seus hábitos, Gobineau exagerasse, e Fauchon e Dupont não vendessem mais do que a metade, cinqüenta Alcorões já era uma boa quantidade, a indicar, primeiro, que o número de islamitas africanos ou descendentes de africanos na capital do Império era, naquela época, muito maior do que as aparências poderiam sugerir e, segundo, que eram islamitas estritos, pois não aceitavam o livro sagrado em nenhuma outra língua exceto aquela em que o recebeu Maomé.
Talvez muitos dos compradores do Alcorão não fossem capazes de o ler, mas queriam possuí-lo como o repositório da palavra de Deus, como um objeto de prestígio, como uma fonte de poder sobrenatural ou como um símbolo material da fé. De acordo com dois agudos observadores – Nina Rodrigues, no final do século XIX, em Salvador, e João do Rio, nos primeiros anos do século XX, no Rio de Janeiro –, a primeira coisa que chamava a atenção de quem visitasse a residência de um islamita eram os livros religiosos dispostos sobre a mesa2. A maioria dos muçulmis, muxurumins ou malês (como os negros muçulmanos eram conhecidos pelo povo dos orixás, pelos adeptos da umbanda e pelos católicos) podia ler o Alcorão ou desejava ser capaz de o ler. Os livros de gramática importados por Fauchon e Dupont deviam ter por principais compradores a gente jovem que se estava educando nas doutrinas e nos ritos da fé.
João do Rio era um excelente repórter, mas não tinha o menor respeito ou apreço pelas práticas religiosas dos africanos e de seus descendentes, nem por qualquer outra religião; era irônico e crítico em relação a todas elas. Essa circunstância dá ao que escreveu sobre o islamismo no Rio de Janeiro um toque especial de autenticidade. Não duvido, por isso, de suas palavras, quando nos conta que os rapazolas tinham de estudar com afinco, se queriam tornar-se clérigos ou alufás, e que na cidade havia pessoas capazes de ensinar-lhes o Alcorão e de examiná-los sobre o que tinham aprendido. Um de seus informantes afirmara-lhe que o candidato aprovado era conduzido em triunfo, a cavalo, pelas ruas de um subúrbio distante, acompanhado pelos fiéis.
João do Rio confirma, a respeito dos maometanos no Rio, o que Nina Rodrigues escrevera sobre os maometanos na Bahia: que formavam uma comunidade quase fechada. Nina Rodrigues errou, porém, ao reagir com incredulidade ao que o imame de Salvador e vários outros moslins lhe haviam dito: que, no Rio, os muçulmis estavam igualmente bem organizados, possuíam uma mesquita e realizavam publicamente, sem disfarce, algumas festividades e cerimônias. Mais tarde, ele obteve a informação suplementar de que a mesquita à qual os negros tinham acesso era mantida pela comunidade árabe. Esta última informação, sobre ser a mesquita pública mantida pelos árabes, é que estava equivocada. Até o final do século XIX, o número de imigrantes do Império Otomano recebido pelo Brasil foi insignificante: somente 3.023, de 1846 a 18893, e quase todos cristãos sírios e libaneses que fugiam das perseguições turcas.
Roger Bastide também se mostrou incrédulo em relação à existência de uma mesquita no Rio de Janeiro e de uma outra em São Paulo4. Com certeza não havia um edifício público dedicado ao islame. Os machacalis (da palavra hauçá masallachi?) ficavam provavelmente nas residências dos imames ou de alguns alufás. No Rio do início do século XX, o principal machacali situava-se na rua Barão de São Félix, na casa do imame. Nem poderia ser de outro modo na segunda metade do oitocentos, pois as leis do Império do Brasil (especialmente o Código Penal de 1830) proibiam os ritos de todas as religiões, exceto a católica, em qualquer "edifício que tivesse alguma forma exterior de templo". Foi só em 1870, para atender ao pedido dos imigrantes alemães, que os cultos protestantes foram aceitos como legais pelo Estado. Até essa data, não havia templos públicos protestantes no Brasil, nem uma só sinagoga que se mostrasse como tal, embora seus cultos fossem tolerados, sempre que de portas fechadas. Portanto, aquilo a que os informantes de Nina Rodrigues estavam aludindo como sendo uma mesquita era, provavelmente, a morada do imame, onde os fiéis se reuniam às sextas-feiras, para orar juntos. Mas era, sem dúvida alguma, uma mesquita, uma casa de oração, um espaço dedicado ao fervor religioso, similar a um machacali da Salvador de Nina Rodrigues: a casa do lemano Luís, no nº 3 da rua Alegria5.
Gobineau é claro: como não se aceitava, no Império do Brasil, a prática do islamismo, os moslins tentavam ocultar sua fé verdadeira e simulavam ser cristãos. Quando se perguntava por seus correligionários a quem se sabia ser muçulmano, a resposta era, quase sempre, a de que não passavam de uns poucos, de uma minoria insignificante, e que se contavam pelos dedos das mãos. Mesmo depois da Abolição e da Proclamação da República, continuaram os maometanos a insistir em que não possuíam expressão numérica importante, bem como em manter discrição sobre sua crença. E tinham um passado de razões para isso.
Uma pesquisa nos arquivos da polícia do Rio de Janeiro, São Luís, Recife, Salvador e outras cidades brasileiras trará à luz dados importantes sobre o tipo de perseguições que sofreram, durante o Império, as pessoas suspeitas de islamismo. A pesquisa também revelará a completa ignorância dos funcionários policiais sobre o islame. Na opinião deles, os moslins, além de serem difíceis e irritantes de lidar, formavam uma facção insubmissa e perigosa, sempre propensa a antagonizar as autoridades e a rebelar-se.
Algumas das ações repressivas contra os muçulmanos repercutiam na imprensa, embora raramente, porque os vexames contra escravos ou ex-escravos eram matéria de rotina. Nos jornais do século XIX, podemos encontrar, porém, aqui e ali, bons exemplos das suspeitas e perseguições que recaíam sobre os islamitas. Assim, na edição de 21 de setembro de 1853 do diário fluminense Correio Mercantil, na qual se publicou um artigo da autoria de um correspondente em Pernambuco6, com a seguinte história. No começo do mês, a polícia do Recife prendera um grupo de africanos que, sob a liderança de um alufá nagô, um certo Rufino, chamado Abuncare em sua terra natal, estava formando "uma nova seita religiosa". Com Abuncare foi encontrado "um livro, que ele declarou" – escreve incredulamente o jornalista – ser "o Alcorão", bem como "muitas folhas de papel escritas em hebraico" (sic). A polícia contou-lhe que Abuncare, um liberto, era muçulmano dos mais fanáticos, e de uma tal maneira, que, quando alguém contestava suas crenças, reagia com violência. O correspondente acrescentava que Abuncare merecia a prisão, porque era um vadio e "explorava" seus correligionários, "obrigados" a arcar com sua manutenção. E assim concluía: por causa desse adepto de Maomé, Recife passou vários dias em estado de alarme, pois muita gente acreditava que uma rebelião de escravos estava sendo preparada pelos muçulmanos.
Na correspondência da semana seguinte, o mesmo jornalista nos informa de que Abuncare recuperara a liberdade, uma vez que as autoridades judiciárias nada haviam encontrado nas suas atividades religiosas que pudesse significar perigo para a ordem pública. O jornalista reagiu com indignação, sugerindo que Abuncare fosse imediatamente mandado de volta à África, a fim de impedir-se que continuasse a contaminar outros escravos e libertos com suas nocivas idéias religiosas7.
Roger Bastide, assim como, antes dele, Arthur Ramos8, tinha dúvidas sobre o islamismo dos chamados muçulmis. Ambos opinavam não serem esses negros verdadeiros muçulmanos, porém tão-somente adeptos de uma espécie de sincretismo do islame com crenças e práticas pagãs, um sincretismo que tinham trazido consigo da África. É curioso observar como esses dois autores, que sempre olharam com benevolência para o catolicismo popular, se mostram severos no julgamento sobre o que deveria ser um verdadeiro muçulmano. E é mais interessante ainda verificar que apresentam como provas de sincretismo práticas reguladas ou aceitas por ramos do islame, como a feitura de grigris, as pequeninas bolsas de couro contendo versículos do Alcorão, a salat al-istisqa' ou oração pela chuva, a crença nos jinns e as tabuinhas de escrever ou atôs (de allo, em hauçá?), com versículos do Alcorão que se lavavam, sendo a água, em seguida, bebida pelos fiéis.
João do Rio não era antropólogo nem sociólogo. Tampouco estava obcecado, como tantos eruditos, no Brasil e em Cuba, com os problemas da aculturação, da contra-aculturação e do sincretismo. Escreveu sobre o que viu e o que lhe contaram. Seus moslins, assim como os de Manuel Querino e Nina Rodrigues, tentavam, num ambiente hostil, cumprir seus deveres religiosos com devoção e rigor. É verdade que, depois da Abolição e da República, cessou, pelo menos no Rio de Janeiro, a perseguição aos muçulmanos. A polícia do Rio tratava-os com mais consideração do que aos devotos da umbanda e do candomblé9, cujo ruidoso toque de tambores provocava muitas vezes reações negativas e protestos dos vizinhos.
Na capital da República, de acordo com João do Rio, os moslins africanos possuíam um imame ou lemano (que morava na rua Barão de São Félix), cádis ou alikalis (outra palavra hauçá, alkali), juízes subtitutos e oficiantes que dirigiam as preces coletivas e cerimônias. Praticavam a circuncisão (kola), jejuavam no Ramadã e mantinham mais de uma esposa. Eram estritos no rezar as orações diárias (kissium) e no cumprir as abluções rituais, algumas vezes vestidos de abadá, a túnica branca, com um gorro vermelho, o filá, na cabeça. À noite, não largavam o rosário (tessubá) das mãos. João do Rio não menciona que matassem carneiros no Id al-Adha e no Id al-Fitr, mas provavelmente o faziam, como aparecem registros em Nina Rodrigues10 e Manuel Querino11, na Bahia. Realizavam também, ainda que discretamente, alguma catequese, pois, como nos informa Nina Rodrigues12, a mulher do lemano de Salvador nascera no Brasil e convertera-se ao islamismo no Rio de Janeiro, onde morara durante algum tempo.
Em seu relatório, Gobineau escreve que todos os africanos moslins eram minas, denominação que no Rio de Janeiro e outras regiões do sul do Brasil significava qualquer africano que não fosse banto ou qualquer um que tivesse embarcado entre a costa do Senegal e os Camarões. Ele também menciona que um bom número dos africanos muçulmanos de Salvador, aos se tornarem livres, regressavam à Africa, mas que outros preferiam emigrar para o Rio de Janeiro. Quarenta anos mais tarde, João do Rio confirmaria a informação de Gobineau: muitos dos moslins do Rio de Janeiro provinham da Bahia. É possível que quisessem não apenas ficar longe de seus antigos donos, mas também escapar de constrangimentos pessoais, da desconfiança e das perseguições que se seguiram às revoltas das primeiras quatro décadas do século XIX.
Ao chegar ao Rio, esses baianos já encontraram muitos minas, desembarcados pelos navios negreiros diretamente da costa africana. E outros, trazidos do Nordeste, para serem vendidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, durante o auge do café. Esse comércio inter-regional começou por volta de 1830, aumentou depois de 1850 e atingiu suas cifras mais elevadas nos anos de 187013. Em conseqüência dessa migração forçada, uma área de predomínio banto como a província do Rio de Janeiro presenciou, durante cinco décadas, o crescimento numérico dos chamados minas: não somente iorubás, mas também fons, hauçás, gãs, guns, evés, baribas, fantes, bornus, nupes, grunces, mahis e mandingas. Alguns deles eram muçulmanos.
Antes mesmo da Abolição, os cativos e libertos que chegavam do norte ao Rio de Janeiro começaram a formar comunidades conforme a terra de origem, não na África, mas no Brasil. Os da Bahia, sobretudo os iorubás ou nagôs, mas também os outros, procuravam instalar-se num mesmo bairro, em volta ou perto da casa de um homem ou de uma mulher de prestígio – de uma ialorixá, de um babalorixá ou de alguém que tivesse chegado antes e fosse considerado como bem-sucedido, social ou economicamente. Na virada para o século XX, um grande número de famílias da Bahia morava num pedaço do Rio de Janeiro, junto à Praça 11, chamado Pequena África. Nessa Pequena África, os moslins concentraram-se em algumas poucas ruas: São Diogo, Barão de São Félix, do Hospício, do Núncio e da América14.
Buscavam os muçulmanos viver reunidos nos mesmos logradouros. Mas o que decidia o local onde se fixava uma família não era ser crente nos orixás, nem muçulmano, católico, iorubá, jeje ou hauçá, porém, sim, ter vindo de Salvador, fazer parte daquilo que podemos definir como diáspora baiana. Foi a partir dessa nova identidade que novas teias de solidariedade se teceram. Era por intermédio de Salvador que se importavam de Lagos ou de Ajudá nozes-de-cola, cauris, azeite-de-dendê, sabão e pano-da-costa. Passou-se, assim, no Rio de Janeiro, algo muito semelhante ao que acontecera com os africanos que retornaram do Brasil à África, e formaram em Acra, Anexô, Ajudá, Badagry, Porto Novo e Lagos os seus bairros próprios, e desenvolveram uma nova identidade grupal, a de "brasileiros".
Os negros islamitas nunca foram tão numerosos no Rio quanto em Salvador, onde, de acordo com Nina Rodrigues, um em cada três dos velhos africanos, antes da insurreição de 1835, era maometano15. Na época de Gobineau, o islame contava, porém, com um volume de adeptos suficiente para adquirir algumas dezenas de exemplares do Alcorão por ano e tornar o livro sagrado o best-seller da livraria de Fauchon e Dupont. Três décadas e meia mais tarde, já não havia mercado para novos Alcorões no Rio de Janeiro. Quando João do Rio escreveu seus artigos de jornal sobre as religiões da capital da República, o número de moslins havia diminuído consideravelmente. Talvez parte da informação que compilou já pertencesse ao passado. A um passado recente, mas passado. Foi ele contemporâneo de alguns moslins que se tornaram figuras lendárias na história do Rio de Janeiro – entre os quais o morador de um prédio de dois andares, o 191, na Praça 11, Assumano Mina do Brasil, famoso não só como alufá, mas também por ser um homem belíssimo –, porém a antiga comunidade muçulmana já começava a desaparecer.
Muitos de seus membros foram mandados de volta para a Costa africana pelas autoridades brasileiras, outros retornaram à África por vontade e iniciativa próprias, por não aceitarem continuar a ser governados por infiéis, ou descontentes com as restrições que seus cultos sofriam no Brasil, ou insatisfeitos com a desconfiança, misturada a uma espécie de medo e respeito, que os muçulmis inspiravam aos outros negros. A maioria morreu. Alguns deles, já na velhice, experimentaram a desilusão de ver filhos e netos abandonarem, pouco a pouco, o islamismo e se juntarem a outros grupos religiosos. Tal como aconteceu em Salvador, onde alguns velhos moslins se queixaram a Nina Rodrigues de que seus descendentes estavam trocando o islame pelos cultos dos orixás e pelo catolicismo16.
Com o término, no início do século XX, das conexões marítimas diretas entre Salvador e Lagos, os islamitas que viviam no Brasil perderam inteiramente o contato com seus correligionários na África. Tornaram-se cada vez mais isolados e herméticos, a ressentir-se da rejeição dos demais negros e obrigados, para serem aceitos, a fingir o que não eram e a adotar alguns dos comportamentos dos infiéis.
No Rio, como na Bahia e noutros lugares do Brasil, os muçulmis desprezavam a religião dos orixás e seus seguidores, e os adeptos dos orixás zombavam das práticas religiosas dos moslins. Embora os islamitas fossem geralmente respeitados como pessoas sérias e virtuosas, eram também temidos pelo segredo que os cercava. Não obstante, faziam parte, no Rio, da mesma diáspora, viviam entre os baianos de outras denominações religiosas e era no meio deles que escolhiam mulheres e maridos. Quase desde o princípio, os moslins menos estritos se misturaram e fraternizaram com os baianos de outras religiões: iam às suas festas, inclusive aos bailes e às rodas de samba, embora nunca tomassem bebidas alcoólicas nem comessem feijoada, porque continha carne de porco. Seus filhos e filhas viam-se, entretanto, obrigados a escolher entre ser parte de uma minoria sob suspeita ou aderir aos valores comuns do grupo dentro do qual viviam. Por isso, alguns dos que tinham sido criados como moslins acabaram por converter-se à religião dos orixás, à umbanda, ao catolicismo, ao evangelismo ou ao espiritismo.
A senhora Carmen Teixeira da Conceição serve de exemplo. Nascida em 1877, ela foi para o Rio de Janeiro em 1893, onde continuou a praticar a religião muçulmana. Já adulta, tornou-se cristã. Talvez se tenha sentido sem forças para seguir o islame em solidão e segredo. Talvez necessitasse de companhia na fé. Monoteísta, juntou-se aos que eram como ela, ainda que lessem um outro Livro. Morreu como católica devota, e das mais devotas, pois era membro de cinco confrarias religiosas e, por mais de cinqüenta anos, assistiu, todos os domingos, a duas missas. Apesar disso, numa conversa de fim de vida, os seus olhos marejaram-se de lágrimas, ao recordar a sua crença de menina e moça e os velhos muçulmanos do Rio de Janeiro17.
Notas
1 Jean-François de Raymond (ed.), Arthur de Gobineau et le Brésil: correspondance diplomatique du Ministre de France à Rio de Janeiro, Grenoble, Presses Universitaires de Grenoble, 1990, pp. 143-148. [ Links ]
2 Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, ed. revista e prefaciada por Homero Pires, São Paulo, Companhia Editora Nacional (Brasiliana), 1932, p. 96; [ Links ] João do Rio, As religiões no Rio, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1976 (1ª ed. 1902), p. 23. [ Links ]
3 J. Fernando Carneiro, Imigração e colonização no Brasil, Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, 1950, mapa defronte à p. 60. [ Links ]
4 Roger Bastide, As religiões africanas no Brasil, Trad. Maria Eloisa Capellato e Olívia Krähenbühl, São Paulo, Livraria Pioneira/Edusp, 1971, vol. 1, p. 205. [ Links ]
5 Nina Rodrigues, op. cit., p. 95.
6 Manolo Florentino chamou-me a atenção sobre esta matéria publicada pelo Correio Mercantil.
7 Correio Mercantil, Rio de Janeiro, 28 de outubro de 1853. [ Links ]
8 Arthur Ramos, O negro brasileiro, Recife, Fundação Joaquim Nabuco/ Massangana, 1988 (1ª ed. 1934), pp. 66-72; [ Links ] As culturas negras do novo mundo, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1946 (1ª ed. 1936), pp. 314-329; [ Links ] Introdução à antropologia brasileira, Rio de Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1943, vol. I, pp. 410-432. [ Links ]
9 Conforme disse d. Carmem Teixeira da Conceição, que tinha 105 anos de idade quando falou com João Baptista M. Vargens e Nei Lopes, Islamismo e negritude, Rio de Janeiro, Setor de Estudos Árabes da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1982, p. 76. [ Links ]
10 Nina Rodrigues, op. cit., p. 92.
11 Manuel Querino, Costumes africanos no Brasil, 2ª ed., Recife: Fundação Joaquim Nabuco/ Massangana, 1988, p. 71 (este texto foi publicado pela primeira vez em 1916). [ Links ]
12 Nina Rodrigues, op. cit., p. 95.
13 Evaldo Cabral de Mello, O norte agrário e o Império, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, pp. 28 e 39. [ Links ]
14 Roberto Moura, Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro, 2ª ed., Rio de Janeiro, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro/ Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1955, p. 133. [ Links ]
15 Nina Rodrigues, op. cit., p. 94.
16 Idem, p. 96.
17 João Baptista M. Vargens e Nei Lopes, op. cit., pp. 75-76.
Texto recebido e aceito para publicação em 5 de dezembro de 2003
Alberto da Costa e Silva, diplomata e escritor, é autor, entre outras obras, de A enxada e a lança: a África antes dos portugueses (1992), A manilha e o libambo. A África e a escravidão de 1500 a 1700 (2002). Presidente da Academia Brasileira de Letras (2002-2003). Este texto foi publicado no livro do autor Um rio chamado Atlântico. A África no Brasil e o Brasil na África, Rio de Janeiro, Nova Fronteira/Editora da UFRJ, 2003, pp. 177-186.
© 2008 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100024&lng=en&nrm=iso
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